Homens transsexuais têm menos acesso ao Papanicolau, o teste de rastreio para câncer
de colo do útero.
Dra. Mariana Viza, fundadora da Casa Irene, um lugar onde o atendimento ginecológico é
feito de maneira simples e humanizada, sente-se preocupada com o que alguns homens
trans ainda vivenciam, até mesmo em atendimentos de saúde. “Não há preparo da equipe
para acolher a população trans” – afirma Mariana Viza.
Sabemos que as consultas ginecológicas são muito importantes e devem ocorrer com
regularidade. E não são apenas as mulheres que devem ser consultadas, os homens trans
também precisam seguir os protocolos ginecológicos. Contudo, muitos não comparecem às
consultas e o motivo do não comparecimento é repugnante. “Existem inúmeros relatos de
justificativas e a maioria delas é por eles sentirem vergonha durante a consulta. O medo de ir
a uma consulta ginecológica representa uma falha no sistema de saúde”, afirma com
indignação a médica ginecologista.
Antes de mais nada, vamos definir quem são os homens trans. São aqueles que nasceram
num corpo com genital feminino, mas que não se identificam com gênero feminino. Como
muitos não passam pelo procedimento cirúrgico de retirada do útero é necessária a coleta
regular de exame de rastreio para câncer de colo, ou seja, o Papanicolau. A rotina é 1 coleta
por ano e, a cada 2 anos consecutivos de exame negativo, podemos colher a cada 3 anos de
acordo com o Ministério da Saúde.
E quem deve colher o papanicolau? A ginecologista Dra. Mariana responde “quem tem
relação com algum tipo de penetração vaginal, não importando se a penetração é pênisvagina, se é com as mãos ou até mesmo com algum brinquedo. O vírus não sabe quem está
levando para perto do colo do útero. Se tem penetração, tem que ter coleta do exame”. O
papanicolau é um exame rápido e simples, que pode ser coletado em qualquer posto de
saúde e é obrigatório por um simples motivo – ele identifica lesões iniciais e precursoras do
câncer do colo do útero enquanto pode ser tratado e, principalmente, curado.
Contudo, dado ao constrangimento que muitos homens trans sentem durante a consulta, o
comparecimento para fazer este exame é extremamente baixo. “Muitos homens trans
relatam que não se sentem gente e se queixam de que são interrogados de maneira
indiscreta e, por vezes agressiva, durante a consulta”, relata a ginecologista Dra. Mariana
Viza.
A Revista Brasileira de Sexualidade Humana publicou matéria neste sentido – “Os resultados
mostraram que os usuários trans procuram bem menos o serviço de saúde quando
comparado ao público heterossexual/cisgênero, tanto pela abordagem, manejo e falta da
relação paciente-profissional durante a consulta e exame quanto pelo desconforto e disforia
de gênero, levando assim à baixa adesão ao serviço de saúde” (…). A forma como esse
paciente é abordado e acolhido na realização dos exames se mostra como fonte precursora
da continuidade em realizar seus exames de rotina, mostra que o treinamento da equipe no
que diz respeito a confidencialidade e proteção a essa pessoa é importante.
A médica tem muitos pacientes trans em todos os seus estágios, ela nos conta que “um
homem trans, mesmo em uso de hormonização, pode ter corrimento, pode ter uma lesão de
colo uterino e pode também ter qualquer outra afecção natural da vagina”. E mais, atender
pacientes trans com dignidade e humanidade, como com qualquer outro, é dever e
obrigação de todos.
É necessário orientação e divulgação sobre o assunto, o atendimento deve ser feito sem
qualquer juízo de valor, mas de fato, é alto o número de profissionais que não sabem
atender homens trans. É indiferente se o paciente teve ou não relação sexual, se foi com um
ou dez pessoas, com uma pessoa do mesmo sexo ou não. A ética e o respeito numa conduta
médica são imprescindíveis. “Estamos diante de um colo do útero que precisa ser avaliado e
tratado com respeito, porque ele pertence a um ser humano.”, finaliza a ginecologista.
Mais sobre a médica:
Nascida e criada em Ariquemes-RO, formada em medicina na UFPR em Curitiba, residência
médica em ginecologia pela UNICAMP em Campinas.
Fundadora da Casa IRENE – Cuidado Ginecológico com autonomia e respeito. A médica é
uma grande defensora da quebra de barreiras para ampliar o acesso à informação médica de
qualidade e aos métodos contraceptivos.
Instagram: @mariana_viza | Podcast: Minha Regra POD